segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Excerto de "O Medo (II)", de Al Berto

saúde periclitante, pensamentos periclitantes, café periclitante, cigarros periclitantes, tempo periclitante, trabalho periclitante...
abismos, paisagens inacessíveis. insónia. ideias sinistras ocorrem-me. à minha volta tomam forma pequenos objectos cortantes. precária eternidade de quem já abandonou o corpo.
os deuses deveriam predestinar-me outras tarefas, outros percursos: a mendicidade, o nomadismo, a cegueira, a transumância ou o ascetismo.
gostaria de ter nascido ave, pequena ave, flutuante pássaro marinho ou bicho subterrâneo, míldio ou peste, sarna das glicínias, feridas das tâmaras, ferrugem das roseiras, nuvem, sujidade. ah! como tenho sede doutras vidas, como desejaria o silêncio magnífico das oceânicas profundidades!

(excertos de "O Medo (II)", in O Medo)

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