quarta-feira, 20 de julho de 2011

Dois poemas de Jorge Reis-Sá, do seu mais recente livro

Não sei possível vida mais desinteressante
do que esta. Levantar pela manhã sem um único
objectivo, levar o corpo à segunda repartição
de finanças, corrigir impressos de gente ainda

mais desinteressante do que eu. Assim o espero.
De nada vale esperar. Têm filhos, dois cães, um
gato, meia dúzia de cágados a rebolarem-se à vez
no esterco da água. Venho à tardinha para casa.

Poder-se-ia pensar que a tempo de me ser útil.
Mas vejo televisão só para esperar, penso
nas famílias dos cágados, no Tico e no Fofinho

com o pêlo afagado pelas crianças. Ligo a internet,
engato mais uma desesperada e rapidamente no seu
corpo estes pensamentos tão impuros são nada.

* * *

Terei a coragem de Pavese para deixar
tudo preparado e partir? Um diário
com todas as indicações de que o fim
se aproxima e a passos muito largos,
a reunião de toda a poesia num original
devidamente encapado e pronto a ser
editado na Einaudi. Trabalhar cansa.

Aceito. Mas cansa mais não fazer nada.

(in Mulher Moderna)

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