terça-feira, 3 de janeiro de 2012

"Falar", de Ferreira Gullar

(Hoje não era suposto publicar neste blogue, mas levou-me o acaso - entenda-se: a necessidade de comprar alguns legumes (!) - a passar por uma livraria e a pegar na obra de um autor que, embora conhecendo, nunca havia explorado. Após as primeiras páginas, o livro de Ferreira Gullar, poeta brasileiro, já me cativara. Tomei nota de um poema, o que abaixo segue, que a seu modo - pelo menos assim o sinto - comunica com o texto de Manuel António Pina anteriormente publicado. Gostaria de poder apresentar mais uns quantos poemas deste autor, mas para já não me será possível).

A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,
por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma
fala ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.
Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.

(in Em alguma parte alguma; Ulisseia, 2010)

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