quarta-feira, 13 de março de 2013

Excerto de poema sem título, de Al Berto

Estou gasto. dei-me
sempre mais do que podia.
Já não há mais nada que me possam
roubar. Sou um corpo espoliado
de todos os bens, de todas as doenças,
de todas as sensações. Sou um
corpo pronto para a morte. por
isso ela não vem. assim o indica
a imensa linha da vida.
sou um corpo que se evita, um
homem cujo nome se perdeu, e cuja
biografia possível está no que, bem ou
mal, conseguiu escrever. sou
um corpo sem nacionalidade, pertenço
às profundidades do mar, à imensi-
dão dos oceanos, ao voo da ave que
há pouco me pousou na mão. sou um
alfabeto e não sei se terei tempo
suficiente para me decifrar.

(excerto de "Diário 1985", in Diários; ed. Assírio & Alvim, 2012)