quinta-feira, 12 de junho de 2014

"Completas", de Manuel António Pina

(Publico estes versos no poemapossivel no momento em que dá uma partida de futebol, não interessa qual. Jogadores de diferentes continentes correm num retângulo de relva, rodeados de mil pessoas, de mil vozes e gritos. Correm como se nada mais existisse - mas existe. Um eco desse frenesim chega-me através do televisor que habita um canto da casa, aqui ao lado. Este poema é também ele um eco. E isso, por agora, basta-me.)

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

(in Todas as palavras. Poesia reunida; ed. Assírio & Alvim, 2012)

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