quinta-feira, 19 de junho de 2014

"Os Cinco Enterros de Pessoa", de Juan Manuel Roca

Poucas vezes sucede
Que ao morrer um poeta
Sejam necessários cinco caixões
Como poucas vezes sucede
Que um poeta seja morada
Para que nele vivam,
Para que trabalhem à sua vontade
E durmam quando quiserem,
Sem pagar renda,
Sem ameaças do senhorio,
Outros 4 poetas.
Ao enterro de Pessoa
Foram com sigilo,
Tal como viveram.
Nunca protestaram
Contra a estreiteza da sua moradia,
Esse peculiar viver dentro da gabardina.
Mas não desejariam mais espaço
Agora, na rigidez das formas?
Não se viu Pessoa em tertúlia
Com os seus 4 fantasmas cardinais.
Não se viu em grupo
A caminho da tabacaria,
Partilhando viuvezes.
Pessoa e os seus compadres.
E essa forma
De não se deixarem ver nos espelhos.

(in Os Cinco Enterros de Pessoa; trad. Nuno Júdice, ed. Glaciar, 2014)

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