quarta-feira, 9 de setembro de 2015

"O morto prazenteiro", de Charles Baudelaire

Onde haja caracóis, numa terra fecunda
Onde estenda à vontade o meu velho esqueleto,
Desejo eu mesmo abrir uma cova profunda
E como um tubarão dormir no esquecimento.

Odeio os mausoléus, odeio os testamentos,
E em vez de suplicar as lágrimas do mundo,
Preferia convidar os corvos lazarentos
A sangrar cada naco da carcaça imunda.

Sem ouvidos nem olhos, vermes! companheiros,
Vede a ir ter convosco um morto prazenteiro;
Filhos da podridão, filósofos da estúrdia,

Sobre as minhas ruínas ide sem remorsos
E dizei se ainda existem algumas torturas
Prò meu corpo sem alma e bem morto entre os mortos!

(in As Flores do Mal; trad. Fernando Pinto do Amaral, ed. Assírio & Alvim, 1996)

Sem comentários: